Causando medo em muitos líderes que não sabem exatamente o que fazer com os milhares de funcionários cujo futuro profissional deverá sofrer substituição por tecnologias disruptivas, a transformação digital tem sido ignorada por empresas cuja inércia executiva tem impedido as mudanças coerentes às demandas de mercado.

No entanto, este é um movimento inovador e inevitável, assim como as revoluções industriais anteriores. O atual tem na internet o principal alicerce, devido ao fluxo de informações que esta consegue facilitar, dando escala mundial aos negócios.

Para aceitar e assumir as novas diretrizes, as companhias precisam entender que não se refere apenas a absorver e integrar processos digitais, mas também a criação de novos modelos de negócio e mudança cultural (mindset) da empresa, pontos estes que justificam a dificuldade de adesão e transição.

A fim de entender esta onda disruptiva na economia, neste post está uma análise a partir de três aspectos principais: as iniciativas já em curso, as possibilidades da manufatura 4.0 para os próximos anos, e a situação das empresas com relação a seus atuais recursos de automação.

Como entender esse processo de transição?

Em uma perspectiva de tempo não tão imediata, a chamada manufatura 4.0 está no foco de atenção das corporações e dos governos, pois a passagem para essa realidade poderá determinar a sobrevivência das empresas no futuro.

Os especialistas lembram que a manufatura 4.0 é um conceito que irá se ajustar a cada situação específica. Podemos ter um plano geral do que ela representará a partir do documento Industry 4.0: From vision to implementation, de August Wilhelm Scheer, diretor da alemã Scheer GmbH, especializada em automação industrial.

O estudo projeta a “fábrica inteligente” que utilizará de forma intensiva em sua produção de softwares conectados à internet, capazes de comunicação entre si e com os materiais inteligentes, que trazem chips com informações sobre suas propriedades e etapas de produção. Um componente do conjunto são as grandes bases de dados, disponíveis com o baixo custo de armazenamento de memória.

Com o auxílio da tecnologia de RFID (Radio Frequency Identification), esses materiais inteligentes podem percorrer o processo de fabricação de forma quase independente. Essa fábrica terá a capacidade de se auto organizar. Uma decorrência do alto grau de automação será também a expressiva individualização do processo de manufatura permitindo produzir bens de acordo com o desejo do consumidor.

Realidade e impacto da transformação digital

Várias novas formas de fazer negócios já estão em operação ou em processo de implementação com base no poder da web associado a outros recursos, como o GPS, as grandes bases de dados (Big Data), ou a robotização.

Na área de serviços, o impacto dessas mudanças é visto como um caminho sem volta, pois vai sendo incorporado por um grande número de consumidores. A qualidade e a intensidade das experiências vividas por pessoas com as marcas, tais como Amazon, Uber ou Starbucks alteram a percepção que se têm hoje com os serviços tradicionais.

Pesquisas mostram que após a instalação do serviço de táxis Uber em uma cidade, é menor a tolerância para a espera de um carro. Desse modo, as empresas e serviços que não se adequarem às exigências da demanda vão perder espaço para aquelas que o fizerem.

Necessidade de melhorar a experiência do consumidor

Na transformação digital o conceito de qualidade vai se ampliando em várias frentes. A Cremer, principal empresa brasileira fornecedora de materiais para primeiros socorros, cirurgia, tratamento e bem-estar, oferece a seus clientes, com base em um controle preciso de informações, o serviço de compras corporativas em que assume operações de suprimentos de hospitais. Neste modelo, custo, qualidade e tempo de resposta devem ser superiores aos já existentes, estabelecendo um novo patamar.

A combinação de RFID (Radio Frequency Identification) mais GPS (Global Positioning System) adotada pela Dow Química reforça a segurança e visibilidade de seus produtos em toda a cadeia de valor, de modo a evitar, ou pelo menos reduzir, danos, perdas ou roubos. Os chips contêm sensores que são capazes de monitorar temperatura, umidade e impacto, assim como monitorar se a segurança dos produtos foi violada.

No caso da indústria alemã, nota August Scheer em seu artigo, o que se vê com mais frequência são impulsos disruptivos com inovações pontuais. Elas podem estar, por exemplo, na fabricação de produtos ecologicamente corretos, com menores gastos de energia no âmbito da economia sustentável.

Ao mesmo tempo, problemas tradicionais podem encontrar soluções com o emprego de tecnologias da manufatura 4.0. Por exemplo, reduções de tempo e custos no transporte interno de materiais; uso de scanners 3D para aperfeiçoar a conexão entre partes e peças; uso de sensores e câmeras para controle de estoques sem necessidade de intervenção humana.

Remodelagem de modelos de negócio

A transformação digital na indústria poderá ocorrer de várias formas e o trabalho de Scheer destaca alguns modelos principais. O primeiro é chamado de Oceano Azul, onde o caráter disruptivo da inovação trazida pela manufatura 4.0 é radical, rompe com os padrões existentes e gera novos tipos de companhias e novos modelos de negócio.

Devido a tais expectativas do mercado e possibilidades tecnológicas, surgem desenhos de negócios impossíveis de serem implementados com os recursos tradicionais. A norte-americana Local Motors criou uma estrutura original para produção de baixos volumes de veículos a partir de uma plataforma open source de cocriação.

Ela se utiliza de múltiplas mini fábricas espalhadas pelo país para produzir carros, motos, bicicletas e triciclos. São usuários intensivos de tecnologia 3D aplicada à fabricação de peças e produzem veículos customizáveis.

Há, ainda, a realidade expressiva da corrida travada hoje entre Google (Waymo) e Uber pela liderança na tecnologia do carro autônomo, que visa uma nova lógica no aproveitamento de tempo e cotidiano das pessoas.

Os carros, hoje, permanecem 95% do tempo estacionados e 5% do tempo em operação, diz essa premissa. O Waymo inverte essa situação com um veículo sem motorista, controlado pela web, que depois de utilizado pelo passageiro fica disponível para outro usuário. Assim inverteria o cenário com sua capacidade utilizada durante 95% do tempo e apenas 5% de ociosidade.

Outro exemplo nessa modalidade é o carro elétrico da fabricante norte-americana Tesla, que rompe com o padrão tradicional de veículo movido a combustível. O trabalho observa, entretanto, que as inovações disruptivas em geral estão associadas a grandes investimentos de capital e que o ponto de retorno do investimento situa-se em períodos de 5 a 10 anos.

Esse cenário permite vislumbrar também o surgimento de novos tipos de serviços. A propriedade de produtos e recursos pode não estar mais na prioridade dos clientes. Ao invés disso, eles podem acessar serviços associados, tornando as indústrias provedoras desses serviços.

Fabricantes de veículos podem se transformar em provedores de serviços de mobilidade, indústrias de compressores oferecerem energia, fabricantes de ferramentas passarem a alugá-las e assim por diante.

Estágio das corporações latino-americanas

Ao chegar até aqui está claro que o desafio para os dirigentes que se dedicam a planejar o futuro de suas organizações é desenhar o caminho mais efetivo para inseri-las neste processo de mudança.

Muitas pesquisas e estudos têm sido feitos para apoiar as estratégias de planejamento de gestão e um dos pontos de partida é avaliar a situação atual das empresas com relação à sua capacidade de automação e integração de recursos. O Grupo Assa, consultoria multinacional, foi responsável por um deles sobre a América Latina.

O trabalho nota que apesar de apresentar índices de investimento em tecnologia da informação semelhantes aos das companhias europeias, as empresas latino-americanas têm registrado níveis inferiores de resultados em produtividade.

O relatório Latin America 4.0: The Digital Transformation in the Value Chain, concluído no segundo semestre de 2015, entrevistou mais de 70 dirigentes de companhias do Brasil, Argentina, México, Colômbia, Chile, entre outros.

As barreiras a serem superadas rumo à transformação digital vão da capacidade limitada de reter talentos qualificados para essa mudança passam pela falta de engajamento dos níveis gerenciais, e por uma baixa capacidade de coordenação integrada de diferentes áreas.

O levantamento constata que uma das maiores dificuldades para as empresas da América Latina tem sido medir o valor incremental dos investimentos em automação.

Ter uma avaliação precisa do perfil da automação da organização e suas possibilidades, assim como dos recursos humanos necessários para ingressar nesse processo de mudança, são demandas que ganham cada vez mais importância na escala de prioridade das empresas.

Colocar as companhias no caminho da transformação digital

As empresas precisam desmistificar o medo apocalíptico e cinematográfico a despeito das novas tecnologias. Ao contrário do que o desespero sugere, é possível colocar as empresas no trilho sem grandes traumas, ainda que este seja um processo complexo.

Novas tecnologias e formatos de negócios demandam novas habilidades que, costumeiramente, estão em falta no mercado. Um mapeamento de talentos e sistemática capacitação durante a transição poderia beneficiar parte das vagas perdidas em automações e digitalização de processos a partir de recolocação.

Para tanto, os líderes precisam estar preparados para a resistência e, por isso mesmo, devem ser os primeiros a se desarmar contra as tendências de mercado. Devem, no entanto, entender ao máximo as premissas e o movimento de avanço para beneficiar a companhia ao máximo possível.

A partir daí há grande trabalho de articulação a ser realizado em todos os níveis operacionais, a fim de que seja efetiva a transformação digital na empresa. A habilidade para lidar com todos os acontecimentos é determinante.

A cultura corporativa por exemplo, que ou é completamente desconhecida ou é a palavra de ordem para o cotidiano de trabalho, sendo reflexo da missão, visão e valores é um possível vespeiro.

Devido a isso, ainda que seja imprescindível realizar alterações, que estas sejam levadas de maneira a não tirar completamente o chão das pessoas como se tudo estivesse mudando (ainda que esteja), mas seja trabalhado de maneira a parecer uma adaptação não tão incisiva, que vai de encontro às ambições e prerrogativa da marca.

A cultura da colaboração e do reconhecimento também deve ser fomentada, pois, ainda que os funcionários sejam capacitados tecnicamente, que processos sejam automatizados e digitalizados, pouco avanço virá a seguir se não houver um ambiente promotor de criatividade e autonomia.

Essa é uma nova era a qual ninguém está cem por cento garantido onde se encontra, a questão é descobrir o próprio espaço e contribuir com a forma de enxergar o mundo dos negócios e a sociedade de maneira a contribuir com este novo olhar de desenvolvimento constante.

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