Na contemporaneidade, o design tem se manifestado mais como verbo do que como ofício. Projetar tornou-se uma inquietação, possibilitando intervir nos desafios e dilemas complexos gerados pela sociedade contemporânea, afetando o estilo de vida, os problemas crônicos das cidades, ou no aquecimento global.

Neste mundo complexo, a confiança criativa do design catalisa e estimula a (re)conexão e interação entre agentes, sejam eles humanos ou não humanos (objetos, plantas, animais, rios, mares) e que permite, pelas interações, fazer emergir suas próprias perguntas e respostas. Neste contexto, o designer passa a ser aquele que trabalha constantemente.

Ou seja, não são aceitas as respostas antigas, cuja serventia está em ser mais um ponto a ser somado em uma análise ampla que permeia resolver situações de forma completa, ágil e em constante aprimoramento. Com isso o trabalho nunca termina.

Os caminhos encontrados para realizar tal propósito é a modulação e a modelação, abordados com mais detalhes na continuidade do post que também traz mais informações sobre como se efetiva o papel e a prática do design para criar novos contextos.

Premissas da confiança criativa

A modulação se refere a mediação, articulação, interpretação e adequação. Vivendo no meio, não no lugar, no in between entre pólos opostos: do individual e coletivo, do fechado e aberto, do público e privado, do orgânico e inorgânico, do real e virtual.

Por sua vez, o modelar está associado a projetar coisas concretas (ou abstratas), simples e memoráveis, com um rigor estético e funcional, acessível e intuitivo aos indivíduos, deixa de ser um mantra para o designer.

Assim, os dois podem ser vistos como um mergulho abrangente sobre o contexto em questão, dando condições para que, em seguida, seja desenvolvida a sintetização dos problemas a partir de soluções efetivas e perpetuamente inacabadas.

O mundo contemporâneo requer um projeto que balanceie o modular e o modelar. Nestes últimos anos, é possível notar que temas como degradação do meio ambiente, consumo consciente, modos de aprendizagem não convencionais, entre outros, têm sido abordado por diversos campos do conhecimento, passando a ser temas transversais, onde as soluções dos problemas não passa mais por uma única visão modeladora.

Comportamento para a nova era

O mitólogo Joseph Campbell, em sua Jornada do Herói, revela personagens que se arriscam em mudar o status quo e entram numa aventura com um fim incerto. Aceitam o desafio, com provações que poderão levá-los ao sucesso, ou ao fracasso.

O herói de Campbell está presente em praticamente todos os mitos e sem a existência dessa pessoa, capaz de explorar e expandir seu próprio potencial de criação, não seria possível o continuum de transformação em nossa sociedade.

Intervenções em ambientes complexos criam um movimento sociodinâmico de homeostase, com capacidade para gerar um fluxo livre e ininterrupto de destruição criativa — no hinduísmo associado aos deuses Shiva e Brama —, onde a única verdade é que toda criação gerada no sistema se torne um potencial gatilho para a transformação.

A virada do atual milênio pode ter provocado nos indivíduos esse tipo de impulso. Algo similar ao que aconteceu em outros momentos da história, como no Renascimento, ou na virada do século XIX para o XX.

Atualmente há certa sincronicidade, potencializada pela conectividade e ubiquidade da atualidade, criando uma consciência global e autocrítica sobre os modelos (econômicos, sociais, tecnológicos, políticos e ambientais) dentro dos quais se vive.

Embora todos sejam educados para resolver problemas dentro de especialidades (como engenharia, advocacia, economia), em geral a resposta com o especialista traz simplismo e convencionalismo na solução de problemas complexos. Não à toa, na sociedade, observa-se um esgotamento dos modelos.

Criar mais um processo, produto ou serviço de modo isolado e especializado já não atende o real problema. Projetar na complexidade faz, portanto, surgir modos de pensar mais holísticos, procurando integrar distintos campos do conhecimento na busca por novas respostas para novos (e antigos) problemas.

Indivíduos atuando nesta trama se apoderam da liberdade de criar e recriar seus próprios códigos, crenças e valores, destruindo mitos, rituais e símbolos conservados pela cultura, gerando um desequilíbrio momentâneo no sistema. Indivíduos conscientes do seu livre pensar, criar e agir vivem uma relação paradoxal de liberdade condicional.

Inevitabilidade do novo

Durante a revolução industrial presenciou-se o fenômeno da alienação, o divórcio entre o pensar e o fazer. Quando o artesão de ofício — os designers e criativos daquele tempo — perde para as indústrias as ferramentas e os recursos que viabilizavam sua criação.

Curiosamente, nos dias de hoje surge um movimento inverso, em que a criação se populariza por meio de ágoras físicas e digitais, onde qualquer criativo pode aprender individualmente ou coletivamente a libertar suas mentes para criar, projetar e desenvolver soluções de alta qualidade, que atendam suas próprias necessidades ou as de uma sociedade.

Esses cidadãos preferem aprender com seus próprios erros e acertos. Às vezes, contam com o apoio de mentores incomuns, como um amigo ao lado.

Aqui se dá conta de que a sociedade sempre esteve em ebulição e, de tempos em tempos, regras e valores são colocados à prova, mantendo viva a tensão criativa, entre os adeptos (de novos modelos) e reacionários (fã de carteirinha dos modelos clássicos, que um dia também foram novos).

Nesse contexto, o design se torna uma plataforma de diálogo aberta para modular as diversas tensões sociais e modelar soluções de arquitetura aberta, onde pessoas e coletivos possam adequar soluções às suas necessidades.

O futuro a partir do design

Após décadas de dogmatização do profissional criativo, reconhecido pela sua genialidade e importância na massificação, padronização e mecanização de novos conceitos, chega-se a homeostase social.

Práticas como a digitalização da produção ou a cocriação fazem emergir empreendedores criativos, prontos para atuarem muito além do design de ofício, produzindo e espalhando seus ideais pelo mundo de forma não ortodoxa.

Aplicando modelos econômicos, quase irracionais, como o freemium e o crowdfuning, os novos criadores são os arautos desse novo tempo.

Diversos estudos, um deles realizado pela IBM4 com 1500 lideranças e confirmado por outro da Adobe, sugerem que sem essa liderança criativa (creative leadership) ou confiança criativa (creative confidence) não será possível solucionar os desafios capciosos desta geração.

Fazendo com que esta jornada trilhada por indivíduos, pequenas equipes, organizações ou grupos sociais vejam ao final a criação como um ato de ativismo, quase invisível nesse emaranhado de transformação. Atualmente, vive-se o futuro do passado, onde algum desses ativistas antigos projetou os artefatos, as instituições, as regras e o ambiente de interação humana existentes hoje.

O estilo de vida móvel, disperso, conectado, foi projetado há menos de 30 anos por pessoas decididas a criar o (nosso) futuro. Lugares como Califórnia (Vale do Silício), Londres (Inglaterra), Tel Aviv (Israel) e Berlim (Alemanha) já sentiram os efeitos, muitas vezes silenciosos, deste tipo de protagonismo social.

Desafios para as lideranças

Considerando que os desafios são grandes e a inércia é inaceitável, como é possível convergir todas essas informações em um movimento de desenvolvimento para os negócios?

O estímulo à confiança criativa tem de ser visto como ativo a ser fomentado e monitorado pela empresa, a fim de aplicar o conceito de trabalho constante. Há sempre algo novo a agregar ou aprimorar o que tem sido feito.

Isso porque a criatividade é uma habilidade escassa, uma vez que, quanto mais nos afastamos da infância, mais incompetentes nos tornamos em relação a isso, como constataram pesquisadores da Universidade de Fordham nos Estados Unidos.

Para se ter uma noção dos déficits, um mesmo grupo foi avaliado quando os integrantes tinham cinco anos de idade e 98% deles apresentaram capacidade criativa, este percentual afunda para amargos 30% aos dez anos de idade das mesmas pessoas e a 12% quando elas atingem quinze. Soma-se a perspectiva da amostragem de 200 mil pessoas maiores de 25 anos, em que apenas 2% delas apresentaram esta habilidade.

O insight retirado de informações como estas é que é necessário esforço por parte das corporações para que este seja um valor real dentro dos processos e renda as alternativas, projetos e perspectivas de estratégia para o futuro.

Facilitadores da confiança criativa

Entre as dicas práticas para criar clima propício à criatividade está o fato de tornar esta a missão de cada colaborador da empresa. Cada um precisa enxergar o todo e absorver o papel que possui dentro do andamento diário para que se sinta valorizado e motivado a contribuir.

O planejamento precisa ser entendido por todos, a fim de que a metodologia seja posta em prática com verdadeira adesão e traga resultados consistentes.

E ainda que a inovação seja sempre bem-vinda e deve ser perseguida sistematicamente, ela não é a única resposta. Ou seja, não é preciso criar a roda toda a vez que for necessário uma nova alternativa. Ao contrário disso, lançar olhar para outros setores pode trazer insights que, uma vez adaptados, tem grande impacto.

O processo do parágrafo anterior é principalmente fruto de uma análise que parte do problema, passa pelo levantamento de benefícios desejados para solucioná-lo e então partir para ideias, associações, inspirações que tragam o elemento buscado.

E uma vez encontrada a resposta, que não seja tratada como verdade absoluta ou por um ciclo sem fim de criação. O mercado aprendeu com os novos modelos de negócio que não há ninguém melhor que o próprio cliente para dizer o quão relevante e aceito uma solução é.

A cultura da validação e aprimoramento agiliza e otimiza resultados, evitando desperdício de tempo e investimento. Para tanto é necessário ter time com profissionais multidisciplinares, engajados e cooperativos, cenário cada vez mais demandado, sendo resultado de trabalho duro de lideranças inspiradoras.

Por fim, o líder criativo se torna um catalisador que estimula, articula, valoriza e potencializa qualquer criativo ou expert ao seu redor, bem como o intérprete social que usa a linguagem como sua principal ferramenta de criação e a mídia como adequação da linguagem.

Esse movimento libertário e participativo tem se mostrado um caminho para a solução de problemas complexos, cujo escopo nunca está claro e as múltiplas soluções possíveis residem na junção de diversos campos do conhecimento.

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